“Despersonalizamos o rio e a montanha, tiramos deles os seus sentidos. A gente se afastou e se divorciou das relações com a nossa mãe, a Terra. E ela está nos deixando órfãos.”
“Filho, silêncio”. A Terra está falando isso para a humanidade. E ela é tão maravilhosa que isso não é uma ordem. Ela simplesmente está pedindo: “Silêncio”.
Ailton Krenak
“Os povos tradicionais são os que não mantêm propriedade privada, são pelo coletivo, que têm um modo de vida simples, que dividem tudo entre si, que dialogam, conversam e aprendem com a natureza.“
Daniel Munduruku
As frases acima são de pessoas, de seres humanos. São de “intelectuais da vida”, pessoas coletivas.
São frases que nos mostram que nosso modelo de vida – materialista, desenvolvimentista, consumista, extrativista e explorador do ambiente – está nos levando à falência como espécie vivente na Terra. Estamos nos afastando de quem nos criou, de quem nos alimenta e continua nos alimentando, e não percebemos o quão trágico é o resultado dessa escolha.
Nossa consciência vem sendo moldada para sermos sempre competitivos, para superar o outro, para ter desempenho ótimo, para ser útil em alguma coisa. E Ailton Krenak, mais uma vez, nos provoca: “A vida não é útil”.
Essa materialidade que permeia nossa vida há alguns séculos – relacionada com a necessidade de ter, de acumular – contribui para o distanciamento da estrutura complexa que caracteriza a natureza e as relações entre todos seus componentes (ar, água, solo, fogo, seres vivos). Esta estrutura é complexa e sistêmica. E também é funcional – não há sobra ou desperdício. A natureza é cíclica e não linear.
Quanto a nós, preferimos TER algo do que SER alguém ou ser genuíno em nossas relações. Costumamos criar máscaras, fantasias e cenários para distorcer ou esconder o verdadeiro EU.
Se o EU não é um EU verdadeiro, como ficam as relações do EU com EU, do EU com o OUTRO e as relações mais amplas – EU com o OUTRO e com o AMBIENTE? Certamente não se constituem como relações equilibradas, verdadeiras, colaborativas.
Somos seres que criam. Nossa consciência e nossa capacidade intelectual são maravilhosas, únicas, que nos permitem ser criativos – criar textos, músicas, danças, objetos, construções, máquinas, experiências – e história.
Nossa consciência está intimamente atrelada a tudo que vivenciamos, percebemos e experimentamos – tudo o que vai sendo armazenado e se configurando como nossa história relevante. Esta experiência, por sua vez, influencia a forma como abordamos o mundo e o que experimentamos nele. Este ciclo contínuo de percepção, associação, automatização, seleção e classificação constitui a nossa vida.
Podemos representar todo este emaranhado complexo de nossa vida como uma teia – a teia da consciência, a teia da vida.
Nesta teia do humano, as percepções sensoriais se unem às sensações físicas e às relações pessoais, no âmbito da história e da trajetória de cada um e também do coletivo ao qual pertencemos.
Precisamos fugir do individualismo, e estimular, incentivar e praticar o coletivo. Os povos originários e tradicionais são compostos por “pessoas coletivas”. Valorizam todo esse conjunto de saberes, cultuando-os, e buscam mantê-los por meio da história oral, numa prática reconhecidamente efetiva, eficaz e eficiente, pois se mantêm resistentes após centenas e milhares de anos de ataques e opressões.
São humanos que conversam com rios, árvores e montanhas, que respeitam a história de seus antepassados e dão continuidade a ela, e que se reconhecem como parte de uma irmandade, como um dos fios da teia que sustenta a todos.
O tecido rico da nossa consciência compreende assim fios miméticos, míticos e teóricos. O potencial criativo de que hoje precisamos para resolver as situações de emergência individuais, sociais e ecológicas reside, entre outras coisas, em descobrir e recordar as nossas abordagens mimético-míticas.
Precisamos nos guiar por esse tipo de relação – integrativa, colaborativa, regenerativa, – para enfrentar os problemas da atualidade e do futuro próximo, e iniciar movimentos cooperativos de solução – para os indivíduos e para o mundo à nossa volta.
Para isso, há diversos mecanismos e instrumentos à nossa disposição. Na psicologia e no campo psicossocial, por exemplo, a Mitologia Profunda e sua prática do mito-drama oferecem caminhos concretos, contribuindo com um olhar aprofundado sobre o nosso acervo mítico.
Nosso convite a você é este: vamos seguir por um caminho construído de forma coletiva e colaborativa, caminho este que nos leve a um campo de autoconhecimento e de cooperação mútua, irradiando energias de prosperidade e de cura?
Carlos H. Andrade.